Pilgrim, chuva e um relógio parado

15 de Outubro  de 2012,

Local: no meu quarto do apartamento nº44, na Via Maggio, Firenze.
Hora: 16h20 (hora italiana)

Chove lá fora. Chove sem parar. O céu está cinzentoHoje o tempo lá fora faz parar o meu tempo. Hoje o meu céu é cinzento. Cada vez tenho menos dias assim, talvez seja por isso que os que vou tendo são tão fortes que as questões parecem ser infinitas.

A saudade é mesmo um sentimento muito português. Para mim, é um modo de vida que nunca me abandona, esteja onde estiver e com quem estiver. Hoje a saudade decidiu dizer-me 'olá'. Por isso, hoje sinto-a.

Hoje quero poder chatear-me com os problemas do meu país. Hoje quero poder sonhar com cidades belas que estão bem longe de mim, mas não as poder visitar. Porque aqui ninguém entende o sofrimento que sei estar por lá. Hoje quero poder desejar um feliz aniversário sem intermediários.

Como ser portuguesa em Florença? Onde tudo é belo e o meu mundo real está tão longe. O que mais dói é saber que, provavelmente, sairei do meu país de vez. Sei que se o fizer terei dias como estes, cinzentos e cheios de relógios parados. Talvez tenha dias ainda piores, dias sem relógios sequer. Sinto um arrepio na espinha por descobrir o que poderá vir a ser e, pior do que tudo isso, saber que tenho a coragem para o fazer.

'Like a blind man walking 'round in darkness, I was a pilgrim for your love.', continuo a ouvir a voz contida de Eric Clapton. Como ele, hoje também sou uma peregrina. Ele repete: 'I was a pilgrim for your love' e  a chuva continua. Mas, agora são só umas gotas que insistem em cair, de tão teimosas que são. O céu continua cinzento. A teimosia nasce em mim, mais uma vez. E vejo um arco-íris no horizonte.

Stairs, Ponte Vecchio and smiles



October 1st  of  2012, 

Place: in my room in Via Maggio, Firenze
Hour: 11.03 p.m. (Italian hour)

I feel good. Sono stanca. I’ve always liked saying that in italian, it sounds better than in portuguese.

The stairs seem to be a frequent obstacle in this town. I live in a 4th  floor  in a building without a lift. The institute it’s in the top of the building, but luckily it has a lift, even though it’s an Italian one, which means that it’s small, has a main door and then another two smaller and noisy doors.

I’ve done an Italian grammar test, today. I saw Ponte Vecchio for the first time, today. It’s really a special place.  I didn’t want to believe that I was finally there. I’ve had already seen photos of the bridge and read about the place, but even so, it surprised me.

I went shopping in Florence, for the first time. I spent more or less 27 euros. I bought almost everything that I wanted. Carrying the shopping bags was more complicated. Luckily, my new friends and roommates helped me and together we beat the infinite stairs of our apartment. Funny how stairs can be infinite in so many ways…

In this apartment I feel that I actualy live in this planet. In here we are five girls, all from different continents, countries; we all speak different languages and have different cultures. However, in  the blink of an eye we find some things in common. We all smile, we all are in this adventure. This is my reality now.

Colazione sul Ponte Vecchio

11 de Novembro de 2012,


Quando pensei em criar este blogue, passei bastante tempo a procurar um nome adequado. Durante o passado Verão, os meus amigos foram massacrados com a procura de um nome que tivesse algo a ver com Itália, italiano, Florença e, claro, que tivesse algo a ver comigo.
Foi baseado num filme de que gosto muito - Breakfast At Tiffany's, com a Audrey Hepburn, - que me lembrei do "Colazione sul (...)". Na minha pesquisa sobre Florença encontrei, obviamente, muitas referências à Ponte Vecchio. Vi fotografias e apaixonei-me de imediato pelas casas amontoadas em cima da ponte. Percebi que é a ponte romana mais antiga da Itália e quando descobri que o caminho da minha futura casa até ao instituto incluía esta maravilhosa ponte, fiquei radiante. Decidi, então, chamar a este cantinho "Colazione Sul Ponte Vecchio". A única expectativa que fiz desta viagem foi passar por aqui todos os dias de manhã e poder, com calma, tomar o pequeno-almoço. Pensei ter dias terríveis, causados pela saudade. Pensei que aquele poderia ser o meu local para curar esse terrível medo infindável e sem razão aparente. O medo que a Holly Golighty* tinha e curava ao tomar o pequeno-almoço em frente à Tiffany's. 
Claro está que a vida dá muitas voltas e a minha vida em Florença trocou-me as minhas. Só passei pela Ponte Vecchio alguns dias da primeira semana, de manhã é certo, mas não pude tomar o pequeno almoço lá nem tão pouco tive tempo de apreciar a linda paisagem do rio Arno.
As manhãs eram calmas em casa, davam para tomar banho calmamente, - até porque a água demorava anos a ficar quente, - dava para fazer um pequeno-almoço equilibrado com direito a leite, pão, manteiga ou queijo e ainda fruta. Dava para preparar café para a amiga Laura e ainda dava para esperar um pouco pelos atrasos normais de quatro raparigas a arranjarem-se para um dia de aulas e passeio turístico. 
Depois, as quatro, - Laura, Verónica, Niki e eu, lá íamos para o Istituto Italiano di Firenze aprender umas palavritas de italiano da parte da manhã. E à tarde a missão era explorar um pouco mais a linda cidade de Florença.
Na minha pesquisa que não foi assim tão exaustiva e completa, - de propósito, até porque gosto de ser supreendida, - não encontrei referências às imensas ourivesarias antigas e mais modernas com um pacote antigo. Podem compreender, então, que não fazia ideia que a junção que fiz do filme à ponte não podia fazer mais sentido! Assim, a primeira vez que visitei aquela ponte fiquei assustada com as coincidências da vida.
E solo nel mio ultimo giorno di "fiorentina in prestito" sono riuscita a fare la colazione sul Ponte Vecchio. L'ho fatto con pioggia. Ho mangiato un corneto alla marmelata e ho bevuto un capuccino, nella mattina è chiaro! Perché un vero fiorentino non beve mai un capuccino nel pomeriggio! La pioggia é stata una cosa di diverso nell'habitudine di Firenze. Ho vissuto, veramente, un proseguimento dell'Estate questo Ottobre scorso. Insomma, è stato un perfetto ultimo giorno a Firenze.**

*personagem principal do filme, Breakfast at Tiffany's, que Audrey Hepburn representou.
**E só no meu último dia de "fiorentina emprestada" consegui tomar o pequeno-almoço na Ponte Vecchio. Fi-lo com chuva. Comi um croissant com marmelada e bebi um capuccino, de manhã claro! Porque um verdadeiro fiorentino nunca bebe um capuccino durante a tarde. A chuva foi algo de diferente na rotina de Florença. Vivi, verdadeiramente, uma continuação do Verão neste passado mês de Outubro. Em suma, foi um perfeito ultimo dia em Firenze. 

Escadas, Ponte Vecchio e sorrisos

                                                                                                           1 de Outubro de 2012,


Local: no meu quarto do apartamento nº 44, na Via Maggio, Firenze.
Hora: 23h03 (hora italiana)


Sinto-me bem. Sono stanca. Sempre gostei de dizer isto em italiano, soa bem melhor nesta língua do que na nossa.

As escadas parecem-me ser um obstáculo recorrente nesta cidade. Vivo num quarto andar, sem elevador. O instituto encontra-se no último andar do edifício, mas ao menos aí há elevador. Se bem que é um elevador à italiana, pequeno com uma porta principal e duas portas mais pequenas repentinas e barulhentas.

Fiz um teste de gramática italiana, hoje. Vi a Ponte Vecchio pela primeira vez, hoje. É mesmo um lugar especial. Nem queria acreditar que lá estava. Já tinha visto fotos e lido sobre o local e a realidade, ainda assim, nunca deixa de nos surpreender.

Fui às compras em Firenze, pela primeira vez. Gastei 27 euros, aproximadamente. Comprei quase tudo o queria. Carregar as compras pelas ruas cheias de turistas foi mais complicado. Felizmente as minhas novas colegas de casa ajudaram-me e juntas vencemos as "infinitas" escadas do nosso apartamento. Giro como as escadas podem ser infinitas de maneiras completamente diferentes...

Neste apartamento sinto que vivo, realmente, neste planeta. Somos cinco ao todo, de diferentes continentes, países, línguas e culturas. Mas, rapidamente encontramos coincidências e temas comuns. Todas sorrimos, todas embarcámos numa aventura. Esta é a minha realidade agora.

Partida

                                               30 de Setembro de 2012,

Local: Aeroporto de Barcelona

Hora: 00h47


A aventura começou. Só quando cheguei, finalmente, ao aeroporto de Barcelona é que percebi que é mesmo uma.
Senti-me um pouco sem abrigo. Depois, senti que não tinha pátria. É exagerado, estúpido e infantil, mas quando é hora de dormir e não se tem uma cama com o nosso nome, penso que é um pouco legítimo. Não deixa de ser estúpido e infantil. Sou uma espalha-brasas sortuda. Nos tempos que correm quem pode passar um mês fora a aprender uma nova língua? Não sou sem abrigo e tenho pátria e uma família que zela por mim, mesmo que agora o faça ao longe.

Quando temos sono, queremos calor, conforto e escuridão. Hoje tenho de fazer verdadeiramente o meu ninho.

Não sou a única a dormir no aeroporto. Saber isso faz-me companhia. Acho que vou imaginar o que lhes leva a dormir aqui esta noite, talvez sejam histórias para dormir.

                                  ...

Local: Café di Fiori, Aeroporto de Barcelona
Hora: 07h33

Dormi umas três horas no máximo. Com interrupções, é claro. Às 5h da manhã as luzes do aeroporto torna-se fortes e claras outra vez. Insisti no sono que não dormi realmente. Acordei de vez quando as amigas costas protestaram de vez.

Fiz uma cama de assentos de aeroporto, usei a manta vermelha que trouxe comigo e, escondi-me na sua escuridão vermelha. Os companheiros da porta de embarque, - todos a dormir, tal como eu - não incomodam. Fazemos todos um acordo silencioso e telepático de tomarmos conta uns dos outros e de estar alerta a barulhos estranhos.

O café onde estou tem um nome italiano. Estranho, pois ainda me encontro em território espanhol. Faz-me pensar que a cultura e a cozinha italiana insiste em existir em todo o lado, mesmo que nada tenha a ver com a original.

A minha cabeça foge muito frequentemente para futuras conversas com o senhorio da casa onde vou viver no próximo mês. Conversas com futuros e imaginários colegas de casa e do instituto, que não têm cara nem nação definida. Penso em demasia.

Rezo pela mala. Espero vê-la em Florença. Sonho com a cama que me espera na Via Maggio. Anseio o nascer do Sol. Espero continuar feliz lá.