Tira mi sù!

Hoje apetecia-me um tiramisù daqueles que costumava comer lá. Aqueles jantares semanais eram tão divertidos e interessantes e, depois no fim vinha o dolce que nos deixava a todos ainda mais bem dispostos. E nem sequer sentia culpa pelas calorias, pois logo a seguir gastava-as a passear naquela città meravigliosa que me falta tanto. 

Sabem o que quer dizer tiramisù? Significa no nosso português 'puxa-me para cima'. No dia em que a minha professora nos explicou o seu significado percebi bem o porquê do nome.

A razão deste apetecer é ainda uma incógnita  Talvez seja da constipação, talvez por não ter apetite para as comidas ditas normais ou, talvez seja, por causa das saudades que vão apertando. Mas, hoje apetecia-me um tiramisù que me elevasse o espírito. 
Tiramisù

Que cliché e que verdade tão dura que é a saudade.

Il Ponte alla Carraia 
Esta partilha que vou aqui fazer, já a devia há muito tempo. Desde o primeiro minuto em que entrei no aeroporto de Florença para iniciar a viagem de volta a Lisboa senti que deixava uma parte de mim para trás. Durante os dois últimos dias da minha estadia despedi-me de muitas pessoas. Foram várias despedidas, umas mais importantes, outras menos. A verdade é que aquele último sorriso, aquele último aceno, aquele último 'Ciao!' embora tenha ficado gravado na memória, o laço, o toque, a presença da outra pessoa fica a faltar-nos. Por essa razão, as palavras de José Luís Peixoto não podiam ser mais certeiras: 'Afastei-me em direcção ao aeroporto. Levava uma falta no coração. Sentia pena de deixar o James Joyce. Na altura, ainda não sabia que quem deixa as coisas que ama espalhadas pelo mundo, sente sempre falta de algo onde quer que esteja. Fui para Lisboa. Na noite seguinte, dormi já na minha cama, abraçado ao manuscrito do meu primeiro romance.' Vivi em Florença durante um mês. Estudei e conheci muitas pessoas. Fiz amigos que como eu viviam aquele momento e nenhum outro. Fui como sou e como não sabia ser. Vivi sem pausas e descansos. Saí de lá e esperei num aeroporto. Quando me vim embora levava uma falta no coração.
Lembro-me de quando me despedi da minha querida amiga grega, a Niki, foi bastante cedo, pois ela só fez o curso durante duas semanas, foi uma despedida alegre mas sentida. Tenho o seu riso guardado na minha memória. O companheirismo, o silêncio tão confortável que, por vezes, partilhávamos e a cumplicidade jovial faltam-me.
Nel Giardino di Boboli
Uma semana e meia depois, disse um adeus à minha querida irmã de língua, a Camila. Foi numa rua entre a Santa Maria Novella e o Duomo, uma em que já nos tínhamos separado outras vezes, uma rua que seria completamente aleatória se não fosse ser aquela que nos permitia seguir dois caminhos diferentes. Senti uma tristeza muito lusa quando continuei o meu caminho sabendo que não levo certezas de a voltar a ver. As nossas intenções são sempre as do reencontro, mas até ele acontecer tudo pode mudar. Por isso, aquele adeus foi, talvez, mais pesaroso por começar a acordar da aventura.
Uns dias depois tenho de continuar a dizer adeus em várias línguas tanto à minha querida Carmen, uma hermana muy graciosa, como à especial e fascinante Irina, que juntas me acompanharam muitas vezes à descoberta daquela cidade maravilhosa. Depois de uma última conversa no melhor sítio para comer focacia na Piazza Santo Spirito, demos abraços até nos doer os braços e prometemos encontramos-nos noutro sítio especial, um dia. Disse um até já à amiga Alex, já que não a deixo fazer a sua volta à Europa sem visitar o país mais bonito e interessante que existe, o nosso claro!
A porta do apartamento 44, da Via Maggio
Confesso que a despedida mais difícil aconteceu mesmo no apartamento número 44 na Via Maggio. No dia vinte e sete de Outubro, por volta das duas e tal da tarde, com tudo preparado para ir para a estação de Santa Maria Novella apanhar o autocarro que me levaria ao aeroporto, uma sorridente Laura chega depois do seu passeio. Assim que nos olhámos nos olhos e começámos a falar senti que era desta que as lágrimas iam cair. Só não contei que a meiga e adorável Laura chorasse primeiro. Sempre me aconteceu isto, quando os outros choram eu automaticamente retraio e concentro-me em tentar fazê-los sorrir. Neste dia não foi diferente.
Quando me sentei no aeroporto à espera do avião que me levaria de novo ao aeroporto de Barcelona escrevi alguns pensamentos: 'A lágrima esteve sempre ao canto do olho. À espera de um pensamento mais triste que a faça soltar-se. Não se soltou. A lágrima ficou cá dentro. A emoção está cá ainda. Não sei se consegui mostrar a tristeza e a saudade que levo comigo.' Hoje sei que naquele minuto já me faltavam sorrisos, vozes, toques, conversas, risos, choros e silêncios de tantas pessoas especiais. E ainda hoje levo uma falta no coração.

Que cliché e que verdade tão dura que é a saudade.

Uma fada madrinha em Barcelona

28 de Outubro de 2012,


Local: Aeroporto de Barcelona, num sofá do McDonald.
Hora: 04h42 (hora espanhola)

A fada madrinha do filme Cinderella da Disney
Já conheço os cantos à casa do aeroporto de Barcelona, pelo menos os cantos entre as portas A e B e, claro, a zona dos restaurantes. Há um mês atrás cheguei a este aeroporto por volta da meia noite. E como uma autêntica Cinderela angustiada com a perda do sapato de cristal, eu tinha uma nota de dez euros na mão e uma máquina de águas e snacks que não aceitava notas. 'E agora? Como bebo eu água?' Esta angústia juntou-se à de ter de dormir num aeroporto e sentir-me um pouco sem abrigo. Ponderava eu a opção de ir à casa de banho abastecer-me de água, quando a fada madrinha apareceu. 

Uma senhora da limpeza, rechonchuda e com um ar amigável passou por mim e olhou-me como se soubesse que eu queria perguntar-lhe algo. No meu 'portunhol' lá perguntei onde podia trocar a nota ou comer alguma coisa e fiquei a saber do Café di Fiori que está aberto 24 horas por dia. Mais tarde descobri a zona dos restaurantes e o McDonald que, também, funciona o dia inteiro. A resposta, o sorriso e o ar maternal que a senhora tinha descansaram-me a consciência nessa noite, 'Existem seres humanos amáveis fora do meu Portugal. Vai tudo correr bem', foi o que pensei.

Hoje, um mês depois, diferente e a mesma ao mesmo tempo, tentei dormir com a minha tão adorada manta vermelha da TAP, mas o frio das portas de embarque B - pois agora já é quase Novembro - não me deixaram senão dormitar. Descobri que as casas de banho, por alguma razão, são muito mais quentes. Deixei-me dormir por uns segundos sentada na sanita da casa de banho. Quando de repente acordei decidi que por mais quente que fosse, não era confortável e o cheiro não era nada agradável. Assim, resolvi andar por entre as portas de embarque e, talvez, visitar o McDonald que não dorme. Assim o fiz.

Depois de me acomodar num sofá bem fofinho da maior cadeia de fast food do Mundo e de começar a escrever estas linhas, a minha fada madrinha apareceu, mais uma vez. Desta vez não tinha desejo nenhum para lhe pedir, mas reconheci-a. A mesma senhora, o mesmo uniforme, o mesmo sorriso, o mesmo turno, o mesmo mp3 e os mesmos auriculares que a entretêm enquanto limpa com uma esfregona as escadas sujas da entrada do restaurante. Sorri ao vê-la, imaginei a sua família. 'Três filhos meigos e um marido que descansa em casa e, se calhar, se levanta precisamente a esta hora por a achar a menos na cama. A fada madrinha faz o seu trabalho contente, provavelmente voltará a ter um turno destes daqui a quinze dias, como sempre. Hoje enquanto trabalha ouve músicas que lhe lembram os seus meninos e, por entre elas, aparece a canção que a fez apaixonar-se outra vez pelo marido.' Guarda a esfregona uma última vez, e avança com o seu carro. Olha para cima e tem um sorriso na cara, olha para mim e, sem qualquer expressão de reconhecimento, avança. A verdade é que só a Cinderela se lembra da fada madrinha. Porque não um conto sobre a equilibrada fada madrinha? A sábia fada que até sabe feitiços e direções, talvez o conto fosse mais interessante.